Governo Raquel Lyra: autogestão da merenda escolar pode ser um tiro no pé
Com estrutura precária na maioria das unidades escolares, Estado terá que lidar com logística, produção, segurança alimentar e compra de equipamentos

Fonte: Blog do Magno
Discretamente e sem alarde, o governo Raquel Lyra começou a colocar em prática sua política de autogestão da merenda escolar nas escolas estaduais. A proposta, vista por alguns como positiva, pode acabar sendo um verdadeiro tiro no pé — o famoso barato que sai caro. Isso porque o Estado passará a ser responsável por toda a cadeia produtiva da alimentação escolar, enfrentando desafios como logística, abastecimento, segurança sanitária, qualificação de pessoal e compra de equipamentos, só para citar alguns.
Até o momento, as cidades de Carpina e Paudalho, na Zona da Mata, foram as primeiras impactadas pela medida. Em Carpina, passaram a operar sob autogestão a ETE Maria Eduarda Ramos de Barros, a EREM Joaquim Olavo e a EREM José de Lima Júnior. Já em Paudalho, a mudança alcançou a EREM Confederação do Equador, a EREM Herculano Bandeira e a ETE Senador Wilson Campos. As alterações ocorreram ao longo do mês de junho.
Especialistas ouvidos pelo blog reconhecem que, em tese, a proposta tem aspectos interessantes, mas alertam: o Estado precisaria garantir as mesmas condições que hoje são asseguradas pelas empresas terceirizadas — o que dificilmente ocorrerá na prática. “As empresas contratadas têm obrigações rigorosas estabelecidas em contrato e estão sujeitas a penalidades caso deixem a qualidade dos serviços cair”, explicam. “Quem vai fiscalizar e cobrar isso do próprio Estado?”, questionam.
Eles alertam ainda que a autogestão disfarça um problema estrutural grave: a transferência de uma responsabilidade complexa para escolas sem preparo, sem suporte técnico e sem pessoal qualificado. “A maioria das escolas não possui equipamentos adequados, nem armários ou câmaras frias. Muitas enfrentam infiltrações, falta de energia, água não potável e cozinhas em estado crítico.”
Além do preparo das refeições, as empresas hoje assumem cerca de 150 obrigações contratuais, que incluem controle de temperatura, rastreamento de cardápios, substituições emergenciais, análises laboratoriais e atendimento a dietas especiais. Nada disso está garantido no modelo descentralizado proposto.
A crítica mais contundente recai sobre o risco de sanções sanitárias e de judicialização trabalhista. A ausência de profissionais como nutricionistas, técnicos de segurança alimentar e supervisores tende a ser suprida, na prática, por diretores e coordenadores escolares — o que é considerado altamente temerário.
“Estamos diante de uma substituição perigosa. Diretores acabarão acumulando funções para as quais não foram treinados, e isso pode resultar em processos judiciais, acidentes e falhas graves na segurança alimentar. É um improviso institucionalizado”, alertam os especialistas.
Além disso, a proposta ignora realidades estruturais de muitas escolas da rede estadual, como a ausência de refeitórios e cozinhas adequadas, a inexistência de filtros ou caixas d’água limpas, a falta de protocolos de contingência para falta de gás, energia ou transporte, e a impossibilidade de manter estoques refrigerados com controle de validade.
Embora o discurso oficial ressalte a economia e o fortalecimento da agricultura familiar, representantes do setor alertam para o risco de encarecimento da operação. A descentralização exigirá dezenas ou até centenas de pequenas licitações locais, sem escala, sem padronização e com maior dificuldade de fiscalização.
“O modelo atual permite uma logística eficiente, substituições imediatas e preços por refeição mais baixos. A autogestão tende a aumentar os custos, comprometer a regularidade do serviço e dificultar o controle técnico e sanitário”, alertam os representantes das empresas.